“Escrever é traduzir” — José Saramago e a tradução

Palavras-chave: José Saramago tradutor, Walter Benjamin, transiberismo, tradução cultural

Resumo

Saramago deixou-nos a convicção de que “todos somos tradutores” e que “escrever é traduzir”. Este artigo pretende mostrar que muitos aspectos da vida e da obra de Saramago podem ser abordados numa perspectiva tradutológica, uma vez que existe ainda uma lacuna de literatura crítica sobre o assunto. O pensamento de Saramago sobre a tradução será ex­plicado primeiro em termos gerais, através de uma breve comparação com Walter Benjamin, e depois especificamente em termos de tradução cultural, através do que ele entendia como iberismo e transibericidade. Os numerosos textos e entrevistas em que Saramago reflecte sobre as re­lações intra e extra-ibéricas permitem-nos analisá-lo hoje como tradu­tor cultural. Defendeu a necessidade de uma solidariedade intra-ibérica capaz de preservar identidades diferenciadas e chamou a atenção para a necessidade de uma tradução político-cultural transiberista. Defenderei que Saramago traduziu os etnocentrismos luso e espanhol em três ideias­-chave. Em primeiro lugar, o carácter multicultural da Península Ibérica, que é um facto historicamente incontestável. Em segundo lugar, que as culturas ibéricas, sem as uniformizar, partilhariam uma base comum que as diferencia, por sua vez, da Europa. E, em terceiro lugar, a ideia de tran­sibericidade como “tarefa de traduzir, respeitando o lugar de onde [vie­mos] e o lugar para onde [vamos]”, como diálogo com a doxa alternativa das culturas pós-coloniais.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Burghard Baltrusch, I Cátedra Internacional José Saramago da Universidade de Vigo

Burghard Baltrusch dirige a I Cátedra Internacional José Sara­mago na Universidade de Vigo, onde ensina Literaturas Lusófonas, coor­dena o grupo de investigação BiFeGa e o Programa de Doutoramento Interuniversitário em Estudos Literários. É colaborador do ILCM da UP, e do CISPAC das UVIGO, UDC e USC. A sua investigação centra-se nas obras de Fernando Pessoa e José Saramago, na poesia actual e na filosofia da tradução. É investigador responsável do projecto “Poesia actual e polí­tica II: conflito social e dialogismos poéticos”, financiado pelo Ministério de Ciência e Inovação da Espanha. As suas publicações estão disponíveis em https://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch.

Referências

BALTRUSCH, Burghard. Translation as Aesthetic Resistance: Paratranslating Walter Benjamin. Cosmos and History: The Journal of Natural and Social Philosophy, v. 6, n. 2, p. 113-129, 2010.

BALTRUSCH, Burghard. O que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia - sobre utopia e ficção em José Saramago. In: Baltrusch, B. (ed.): “O que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia”. Estudos sobre utopia e ficção em José Saramago, Berlin: Frank & Timme, 2014, p. 9-27.

BALTRUSCH, Burghard. Nos 30 Anos d’A Jangada de Pedra: José Saramago e a Atuali-dade do Discurso da Trans-Ibericidade. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, Uberlândia, v. 13, n. 2, p. 1-23, dez. 2016.

BALTRUSCH, Burghard. Sobre tradutibilidade e intradutibilidade em Walter Benjamin. Cadernos de Tradução, Santa Catarina, v. 38, n. 2, p. 32- 60, maio 2018.

BALTRUSCH, Burghard. “Olhemos em silêncio, aprendamos a ouvir” — o transiberis-mo saramaguiano e o debate decolonial”, Abriu - Estudos de Textualidade do Brasil, Galicia e Portugal, 12, 2023a (no prelo).

BALTRUSCH, Burghard. “Los persas de esta historia”: lo poético-político en José Sara-mago”. Anuario de Letras Modernas, México, v. 26, n. 1, p. 93- 115, 2023b.

BASSNETT, Susan. Estudos de Tradução - fundamentos de uma disciplina. Tradução: Vivina de Campos Figueiredo e Ana Maria Chaves. Lisboa: Gulbenkian, 2003.

BHABHA, Homi K. The location of culture. London: Routledge, 1994.

BENJAMIN, Walter. Über die Sprache überhaupt und über die Sprache des Menschen, In: Tiedemann, R.; Schweppenhäuser, H. (eds.). Gesammelte Schriften. Frankfurt/Main: Suhrkamp, [1916] 1991a, vol. II, p. 140-157.

BENJAMIN, Walter. Die Aufgabe des Übersetzers. In: Tiedemann, R.; Schweppenhäuser, H. (eds.). Gesammelte Schriften. Frankfurt/Main: Suhrkamp, [1923] 1991b, vol. IV:1, p. 9-21.

BENJAMIN, Walter. Selected Writings 1: 1913-1926. Ed. R trad. por Marcus Bullock e Michael W. Jennings, Cambridge, Massachusetts/London: The Belknap Press of Har-vard University Press, 2004.

BLOCH, Ernst. The Principle of Hope. Tradução: Neville Plaice. Cambridge: The MIT Press, [1959] 1986.

CABERO DIÉGUEZ, Valentín. Iberismo e Cooperação. Passado e futuro da Península Ibé-rica. Ed. Bilingue. Tradução: António José Dias de Almeida, José Manuel Trigo Mota da Romana, Porto: Campo das Letras, 2004.

CAMBÓ Y BATLLE, Francesc de Asis. “Prólogo a Joaquín Mª de Nadal, Por las tierras de Cristo”, El Sol (Diario independiente fundado por D. Nicolás M. Urgoiti en 1917), Madrid, 23 de Maio de 1927, p. 3, [1927] 1930.

CARAVELA, Célia. José Saramago traducteur de Georges Duby: un temps d’apprentissage pour le futur romancier. Revista Diacrítica, n. 26/3, p. 163- 184, 2021.

CASAS, Arturo. “Sistema interliterario y planificación historiográfica a propósito del espacio geocultural ibérico”, 2003. Disponível em: http:// websperso-ais.usc.es/persoais/arturo.casas/NEIHLG.html ou https://www. cee-ol.com/search/article-detail?id=165876 . Acesso em: 03 maio 2006.

CASTELAO, Alfonso Rodríguez. Sempre en Galiza. Madrid: Akal Editor, 1980.

COSTA, Horácio. José Saramago: o período formativo. Lisboa: Caminho, 1997.

EAGLETON, Terry. After Theory. New York: Basic Books, 2003.

ENGELS, Friedrich. Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft. In: Marx, Karl; Engels, Friedrich. Werke. Berlin: Karl Dietz Verlag, 1973, v. 19, p. 189-228.

FERREIRA, Ana Paula. Tradução e utopia pós-colonial – a intervenção invisível de Sa-ramago. In: BALTRUSCH, Burghard. (ed.). “O que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia”. Estudos sobre utopia e ficção em José Saramago. Berlin: Frank & Timme, 2014, p. 73-94.

GÓMEZ AGUILERA, Fernando (org.). As Palavras de Saramago. Catálogo de reflexões pessoais, literárias e políticas. Elaborado a partir de declarações do autor recolhidas na imprensa escrita. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

GONÇALVES, Mariana. Antes do escritor, o tradutor: José Saramago e a sua tradução de dois contos de Guy de Maupassant nos anos sessenta, em Portugal. Translation Matters, Porto, v.1, n. 1, p. 18-33, 2019.

GROSSEGESSE, Orlando. Saramago lesen. Werk-Leben-Bibliographie. Berlin: Tranvía, 1999.

GROSSEGESSE, Orlando. Sobre a obra de José Saramago. A consagração e o panorama da crítica de 1998 até 2004., Iberoamericana, v. 5, n. 18, p. 181-195, 2005.

GROSSEGESSE, Orlando. Identidades cruzadas: História do Cerco de Lisboa e Geschichte der Belagerung von Lissabon. Cadernos de Tradução vol. 35, n. esp. 1, p. 109–145, jan/jun 2015.

GROSSEGESSE, Orlando. A aprendizagem do ‘romance concentracionário. D’A Cente-lha da vida (1952) a Ensaio sobre a Cegueira (1995). In: OLIVEIRA NETO, Pedro Fer-nandes (ed.). Peças para um ensaio. Belo Horizonte: Editora Moinhos, 2020, p. 335–353.

LAGE, Rodrigo Conçole. Uma atualização da lista de traduções de José Saramago de Horácio Costa, RE-UNIR, Rondônia, v. 9, n. 1, p. 58-71, fev. 2022.

LEAL, Maria Luísa. O crisol do ficcionista: tradução de intertextualidade. Anuário de Estudios Filológicos, v. 22, p. 215-223, 1999.

LONGINOVIĆ, Tomislav Z. Fearful Asymmetries: A Manifesto of Cultural Translation. The Journal of the Midwest Modern Language Association, v. 35, n. 2, p. 5-12, 2002.

MOLINA, Carlos Antonio. Sobre el iberismo y otros escritos de literatura portuguesa. Madrid: Akal, 1990.

REIS, Carlos. Diálogos com José Saramago. Lisboa: Caminho, 1998.

SÁEZ DELGADO, Antonio. José Saramago, transiberista. In: REIS, Carlos. (ed.), José Sa-ramago. Nascido para isto. Lisboa: Fundação José Saramago, 2020, p. 47-61.

SARAMAGO, José. A Jangada de Pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

SARAMAGO, José. Prólogo. In: MOLINA, César Antonio. Sobre el iberismo y otros escri-tos de literatura portuguesa. Madrid: Akal, p. 4-9, 1990.

SARAMAGO, José. Cadernos de Lanzarote III. Lisboa: Caminho, 1996.

SARAMAGO, José. Folhas Políticas. Lisboa: Caminho, [1978] 1999.

SARAMAGO, José. Todo son traducciones, todos somos traductores. In: Actas del IV Congreso Latinoamericano de Traducción e Interpretación, 1-4/05/2003, [2003], Bue-nos Aires: Colegio de Traductores Públicos de la Ciudad de Buenos Aires, CTPCBA CD-ROM 1-5. Disponível em: http://biblio.traductores.org. ar/cgi-bin/koha/tracklinks.pl?uri=http%3A%2F%2Fbiblio.traductores. org.ar%2Fdocumentos%2F01810.pdf&biblionumber=5527. Acesso em: 04 fev. 2023.

SARAMAGO, José. O amanhã é a única utopia assegurada [transcrição da entrevista para o programa O Mundo do Fórum, Fórum Social Mundial, Brasil, Janeiro de 2005], La Insignia, 25 jan. 2005. Disponível em: http://www.lainsignia.org/2005/enero/soc_010.html. Acesso em: 25 fev. 2023.

SARAMAGO, José. O Caderno 2. Textos escritos para o blog. Março de 2009 - Novembro de 2009. Lisboa: Caminho, 2009

SPIVAK, G. Chakravorty. “More Thoughts on Cultural Translation”. Translate.eipcp.net, 2008. Disponível em: https://translate.eipcp.net/ transversal/0608/spivak/en.html. Acesso em: 24 fev. 2023.

TORGA, Miguel. Diário XV. Coimbra: [Ed. do autor], 1990.

TORRES FEIJÓ, Elías. Seminário sobre José Saramago na Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela. Agália, n. 60, p. 467-470, 1999.

VENÂNCIO, Fernando. José Saramago e a iberização do português. Um estudo históri-co. In: BALTRUSCH, Burghard. (ed.). “O que transforma o mundo é a necessidade e não a utopia”. Estudos sobre utopia e ficção em José Saramago. Berlin: Frank & Timme, 2014, p. 95-125.

Publicado
2023-08-25
Como Citar
Baltrusch, B. (2023). “Escrever é traduzir” — José Saramago e a tradução. Convergência Lusíada, 34(Esp.), 100-135. https://doi.org/10.37508/rcl.2023.nEsp.a843